Quando comecei a estudar atuação para cinema, a base do curso era a auto-investigação. Levei um choque, pois mil memorias enlameadas estavam esparramadas em mim, e elas começaram a transbordar juntas.
O texto abaixo escrevi em meados de 2006 no início do curso, que me forçou a olhar para mim. Demorou mais de 12 anos para eu encarar meu historico...
" MONSTRO"
Ele estava lá deitadão no sofá como de costume, pés se encontravam, pernas abertas. Eu, 12 anos, uma criança magrelinha vinha passando pela sala com meu short amarelinho e minha camiseta branca estampada e para completar o visual uma tala no meu dedo anelar da mão direita que ele mesmo havia colocado, devido ao meu pequeno acidente enquanto jogava queimada na escola. Eu estava a caminho do meu quarto. Ele de repente se inclinou para frente e me puxou inesperadamente pelo pulso para o sofá, puxou com tanta força que eu caí em cima dele. Fiquei apavorada, afinal já fazia tempo que andava apreensiva de ficar sozinha com ele na casa, tinha medo que ele pudesse fazer algo comigo, muito medo. Sempre ficava extremamente nervosa quando estávamos a sós no nosso "lar", evitava tal situação, mas naquele momento éramos só eu e ele na casa:
"Me solta seu veado cretino!" – falei entre dentes – "Você está machucando meu dedo!"
"O quê? Repete!" – gritou ele transtornado puxando meu dedo machucado.
"Vai tomar no seu cu!" – não sei o que me deu, mas quando abria a boca só xingamentos apavorados saíam. Um vai tomar no seu cu, tímido, tremido de pavor desconfiado.
Ele rapidamente e violentamente virou-me no sofá me colocando deitada de frente para ele, então se sentou em cima de mim, no meu quadril com as pernas abertas, e cruzou meus braços em frente ao meu corpo, segurava minhas duas mãos usando apenas uma dele e com a outra, sem economizar na força, me deu cinco tapas seguidos na cara, um de cada lado da face. Eu parecia uma boneca de pano desmilinguida.
Então ele levantou e saiu rapidamente da sala. Eu fiquei lá por alguns segundos até processar o que havia acontecido, até entender o que estava sentindo, me encolhi engolindo minha revolta, meu medo. Então anestesiada fui para o meu quarto, me tranquei no banheiro, olhei meus rosto no espelho, estava muito vermelho. Certamente foram das porradas e de toda a raiva e revolta que inundaram meu ser, a revolta de uma criança que entendeu perfeitamente o que havia acontecido, pois os sentimentos quebraram a barragem e como uma enxurrada me invadiram. Meus olhos mareados, vermelho, o choro...A procura do por quê aquele homem havia feito isso, por quê um pai faria isso a sua filhinha de 12 anos, que só dava o trabalho comum que pré-adolescentes, criança no meu caso dão, que costumava ser uma criança alegre até começar a sentir medo, medo do próprio pai, de que algum dia ele abusasse sexualmente da própria filha.
Passada algumas horas do episódio horrível minha mãe e irmãos chegaram, meu pai disfarçava, parecia alegre. Era domingo e se essa não foi a primeira vez ao menos foi à última que ele levou os filhos para tomar sorvete, insistiu com todos, mesmo eu não querendo ir, ele muito amorosamente, como um pai deveria ser com uma filha, insistiu que eu fosse. Fomos todos, ele fazendo piadas e divertindo aos meus irmãos, eu calada, envergonhada de contar para minha mãe o que acontecera, me sentindo mal por trazer mais dor a minha tão amada mãe, a qual eu flagrava chorando pelos cantos da casa por causa dele, sendo eu testemunha ocular dos seus prantos de madrugada...
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2 comentários:
Amore,
Semana passada assisti uma reportagem sobre maus tratos na infância, onde o maravilhoso neuro-psiquiatra e psicanalista Boris Cyrulnik bem disse: "nenhum irmão ou irmã tem os mesmos pais", parece tão evidente, mas nem sempre simples de encarar...
Nos ja compartilhamos raiva, medo e nojo pela mesma pessoa, mas com certeza não exatamente pelas mesmas razões.
Amo vc!
beijão
ahhhhhh
que frase que diz muito!!!
será pq somos individuos unicos indivuais?
sodade!
cuide-se!
bjokas
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