Ela gritava por socorro, mas ninguem escutava, estava só, no meio do nada, presa. No desespero, como o personagem do filme “Náufrago”, tentou tirar a própria vida, mas não conseguiu. Então começou sua luta pela sobrevivencia como o personagem do filme indicado ao Oscar “127 horas”.
Não teria jeito, suas pernas estavam presas e a imobilizavam, se continuasse assim ela morreria de todo jeito. Então ela se rendeu e com a faca de pão, afiada durante os momentos de reflexão sobre o que fazer, começou a serrar a própria perna. Resistindo à dor lancinante, conseguiu! Estava se libertando, bastava amputar mais alguns membros e assim poderia se arrastar para fora daquela caverna e ter a chance de talvez ser socorrida.
Assim o fez: perna, braço e dois dedos amputados, amarrou sacos plásticos em volta dos cotocos, pegou sua mochila e saiu pulando como o saci perere, ensanguentada. No caminho agarrou um pedaço de tronco e o fez de muleta, avistou um riacho e se jogou nele lavando-se, retirando qualquer vestígio de sangue. Embrulhou-se em suas roupas e retomou seu caminho, seus cotocos começaram a sangrar muito e ela ficou envergonhada, escondendo-os às pressas porque um casal vinha vindo em sua direção. Se cruzaram, ninguem percebeu nada. Na verdade, a mulher notou algo estanho mas preferiu ignorar porque se parasse um minuto sequer perderia o encanto de ver a trilha que tanto ama sendo banhada pela luz do sol da manhã e assim a aleijada envergonhada gritou por socorro, mas o casal se assustou e apertou o passo.
Esta é minha história, tive que me aleijar ao longo dela porque sofro de depressão desde criança, tem mais de vinte anos. Contando algumas melhorinhas que tive ao longo de minha trajetória imagino que somariam uns 3 anos, logo calculando na minha super matemática foram 18 anos lutando pela sobrevivência, sozinha praticamente, envergonhada por não me adequar na sociedade por conta de uma doença ainda tão envolta em tabus e preconceitos.
Não fui aclamada heroína como Aron, o personagem real do filme “127 horas”, ao contrário, fui tachada de preguiçosa, pessimista, frescurenta, irritadiça, chiliquenta, pesada, etcetcetc, porque minhas amputações não são visíveis a olho nu.
Mas graças a elas sofri uma mutação. Não, não me tornei o Wolverine, embora se não depilasse o bigode poderia até ficar um pouco parecida com ele… Mas não, o que aconteceu é que aceitei que posso ter a doença, que posso ser diferente do que a cultura do “estar sempre bem e pensar positivo” prega, entendi que sou ser humano e que sombra e luz fazem parte dessa condição e que a depressão nos faz entrar em contato profundo com a tal escuridão.
Aceitei também meu sentimento de inadequação com relação a sociedade e hoje sou grata a esse amputamento todo, que me transformou e me tirou do sonambulismo.
Claro que seria mais fácil se tivesse tido a compreensão dos outros, portanto gente vamos tentar ser mais tolerantes com a dor alheia! Depressão não é frescura é doença!
E eu aguentei 157.680 horas e hoje estou muito melhor!
PS: Devo confessar que matemática não é meu forte, ainda tenho dificuldade com porcentagem e fração, mas amo a tal regrinha de três que usei para chegar no resultado do título, mesmo assim pode ser que o valor não esteja lá muito exato, o que não compromete o conteúdo do post.
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